Para quem, como eu, tem o coração ligado na vida do povo, é inevitável a percepção de que as esperanças da maioria dos brasileiros se renovaram, em larga escala pelo encontro sazonal do início de um novo ano com a posse de um novo governo“.

Foram, assim, as primeiras palavras do ex-candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, ao destacar, em entrevista, nesta terça-feira, 1º, ao Jornal Folha de São Paulo, a nova fase da política brasileira aberta com a posse do presidente Jair Bolsonaro. 

Ciro disse que “as energias, ainda que algo supersticiosas ou meramente psicológicas, não são estéreis. Podem ajudar muito a construir coisas práticas na direção da sofrida agenda nacional“. Ciro ainda destaca:

“Não seria eu a botar areia nesse sentimento. Torço genuinamente que as coisas possam melhorar e até acho que melhorarão, ainda que modestamente.”

Em outro ponto da entrevista, Ciro Gomes enfatizou:

[…] é que pouco importam as ficções de contagem do tempo tão necessárias à nossa psicologia humana: o problema de partida em nosso país é objetivamente muito difícil e grave. A política pode produzir rupturas, reorientações, e rumos novos. Mas não por si ou por qualquer fatalismo como o que deriva da mera troca de governo. 

Mais à frente Ciro afirma:

[…] é preciso diagnóstico correto, terapêutica bem administrada, equipe, disciplina, bons ventos exteriores, bom equilíbrio entre autoridade e habilidade políticas, senso de urgência e… compromisso! Uma pitada de sorte é sempre bem-vinda.

Ciro manifesta, ainda, certo ceticismo quanto às mudanças mais profundas na situação econômica e social do Brasil.

Nessa conjunção reside minha descrença objetiva em grandes mudanças. Alguns números: quase 13 milhões de pessoas desempregadas; 17 milhões de pessoas vivendo de bico na informalidade; 63 milhões de pessoas com nome sujo no SPC; endividamento empresarial recorde; déficit público de R$ 130 bilhões, dívida pública superior R$ 5,2 trilhões, um quarto disso vencendo em poucos dias; 63,8 mil homicídios nos últimos 12 meses; 60 mil estupros no mesmo período; dengue, chikungunya, malária e sarampo epidêmicos e um grave problema de atenção básica de saúde, agravado pela saída dos médicos estrangeiros.

Em resumo, segundo Ciro Gomes, esses são alguns dos números que desenham, provavelmente, a mais aguda crise socioeconômica da história moderna do Brasil. Diante desse quadro, o pedetista destaca:

Para qualquer um, a reversão desse quadro não seria fácil. Para quem permitiu a percepção simplificada ao extremo dos problemas e se deixou ver como capaz de resolver tudo a golpes de frases feitas ou de uma radicalizada retórica que mistura moralismo com ideologia estreita… Eis as razões de meus temores.

Sobre o futuro, Ciro coloca uma interrogação:

Realisticamente, para alguém com minha experiência, talvez a palavra correta em relação ao cenário de 2019 seja uma grande interrogação! Ninguém sabe, a meros momentos do início efetivo do novo governo, o que vai ser. Nenhuma proposta concreta, nenhum diálogo sistemático com a intrincada federação política do país, e escândalos já têm o velho tratamento de antanho: Fiz, mas eles (PT) fizeram também”. Familiares apontando potencial escandaloso também é história velha. Assim como a relativização de valores com que se olham a si e aos adversários.

O pedetista expõe outra preocupação ao se referir ao ministério de Bolsonaro:

[…] a equipe é, para dizer o mínimo, inexperiente. O mais importante assessor não tem nem um dia sequer de vivência no setor público. Outros… bem, há os que fraudam mapas para privilegiar interesses econômicos e aqueles que já se apresentam com práticas questionáveis. O diagnóstico, travado por um liberalismo tosco, é, para dizer pouco, equivocado. 

Ciro recorda o passado recente da política e afirma que “depois de afundarmos na terapêutica Dilma/Temer, alguma reversão é de se esperar. Que venha, pois nosso povo precisa e merece. Mas o potencial de confusão, por essa mistura de graves problemas, grave incompetência e despreparo, equipe fraca e desconhecimento do país me permite apostar mais na sorte…Que ela ajude nosso Brasil!’’.

Ao término da entrevista, Ciro Gomes manda um recado à oposição: uma palavra sobre a oposição, neste quadro.

É preciso evitar o oportunismo rasteiro e demagógico; atrair o governo para o jogo democrático, forçá-lo a atuar dentro da institucionalidade, oferecer alternativas práticas ao equívocos sem negar a complexidade dos problemas, muito menos explorar as muitas contradições derivadas da retórica tosca. A cada bobagem, uma proposta! E fiscalizar sem tréguas.