Diante de resultados considerados contraditórios sobre os efeitos para as crianças envolvidas, o governo federal decidiu suspender um segundo programa de prevenção ao uso de drogas. O Elos, voltado para crianças de 6 a 10 anos de idade na rede pública de ensino, é desenvolvido em parceria entre os ministérios da Saúde e da Justiça, com participação da Fiocruz na formação de multiplicadores e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). O Ministério da Saúde suspendeu a expansão do Elos. O Ministério da Justiça, a execução do que vinha sendo feito até agora.

Reportagem publicada ontem pelo GLOBO revelou que o #Tamojunto, programa voltado para adolescentes de 12 e 13 anos, teve um efeito oposto ao esperado e fez aumentar em 30% o risco de esses jovens consumirem álcool pela primeira vez. O resultado está expresso numa pesquisa científica conduzida por pesquisadoras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), publicada em março deste ano na revista científica “Prevention Science”.

A pesquisa sugeriu, como conclusão, que a expansão do programa fosse suspensa até que novas avaliações sobre o resultado fossem feitas. O Ministério da Saúde, então, decidiu adiar a ampliação do #Tamojunto, e o Ministério da Justiça, sua execução – exatamente como ocorreu com o programa Elos. Os dois projetos, mais o Famílias Fortes, integram o trio de iniciativas do programa de prevenção ao uso de drogas instituído a partir de 2013 pelo Ministério da Saúde. Os projetos passaram por avaliações feitas por pesquisadores de universidades independentes e com financiamentos para pesquisa feitos pela própria pasta.

O ministério recebeu informações contraditórias sobre os resultados do Elos. Em 2015, um relatório mostrou indicadores ruins para parte das crianças envolvidas. Em 2017, novo documento apontou resultados positivos, mas a partir de uma metodologia que foi considerada questionável. A decisão por ora foi pela suspensão da execução do programa. O Ministério da Justiça, via Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), parou de executar o Elos. As duas pastas, agora, discutem o que será colocado no lugar, a partir da montagem de um grupo de pesquisadores na área.

REGRAS DE BOA CONVIVÊNCIA

O Elos é uma versão brasileira do “Good Behavior Games”, elaborado em 1967 por um professor americano para minimizar conflitos em sala de aula. O objetivo central é fazer com que as crianças de primeiro, segundo e terceiro anos do ensino fundamental trabalhem em parceria e criem um ambiente de aprendizado, evitando conflitos.

Trata-se basicamente de um jogo em que educandos dividem os alunos em times, estipulando quatro regras de convivência decididas coletiva e previamente: definir um volume de voz, não interromper a fala do colega, atender à combinação de lugares e seguir as instruções das atividades. As regras buscam evitar comportamentos agressivos, tidos como fator de risco para um futuro abuso no uso de álcool e drogas.

Já o Famílias Fortes ainda não tem resultados definitivos, e segue em curso. O programa está voltado à família dos alunos, focado em reforçar vínculos familiares e reduzir fatores de risco ao uso e abuso de álcool e outras drogas. O projeto brasileiro também é uma adaptação de uma iniciativa desenvolvida nos Estados Unidos na década de 1980 e aperfeiçoado na década seguinte. São sete sessões semanais, com duas horas cada. Crianças e adolescentes de 10 a 14 anos e seus pais são atendidos primeiro de forma separada e, depois, juntos.

Dos três projetos, o #Tamojunto é o que teve resultado científico mais evidente e conclusivo até agora. Liderada pela professora do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp Zila Sanchez, a pesquisa identificou que, entre adolescentes que participaram do programa e que nunca tinham bebido, houve uma maior quantidade de jovens que experimentaram o álcool durante o período de nove meses de acompanhamento, em comparação com adolescentes de escolas onde não existia o #Tamojunto.

A pesquisa envolveu 3,3 mil alunos expostos ao programa e outros 3,3 mil alunos não expostos (o chamado grupo de controle, usado para comparação). Adaptação do “Unplugged”, um bem-sucedido projeto de prevenção aplicado em escolas na Europa, o #Tamojunto é considerado – juntamente com Elos e Famílias Fortes – a primeira política pública efetiva de prevenção ao uso de drogas entre crianças e adolescentes, com atuação articulada entre diferentes ministérios e instituições.

PLANO PARA 14 ESTADOS

O projeto está em 16 cidades de seis unidades da federação – São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Acre, Ceará e Distrito Federal. Para este ano, o plano era chegar a 14 estados, com gastos de R$ 8 milhões. No ano que vem, o #Tamojunto chegaria nas 27 unidades da federação, a um custo de R$ 9,4 milhões. Os gestores nos municípios foram comunicados sobre a interrupção da expansão da inicativa, inclusive com informações sobre os resultados da pesquisa feita.

No projeto #Tamojunto, a metodologia é de 12 aulas dadas por professores da sétima série – ou oitavo ano, pela nova modelagem do ensino fundamental. As aulas, semanais e com duração média de uma hora e meia por turma, são compostas por dinâmicas de grupo, jogos, debates e informações sobre o uso de drogas, com foco em prevenir a transição do uso esporádico para o uso frequente. A filosofia do projeto se ancora em promover habilidades de vida, fornecer informações sobre drogas e desenvolver um pensamento crítico sobre “crenças normativas” a respeito do uso de substâncias psicoativas.

A pesquisa da Unifesp e da UFSC foi feita em 72 escolas públicas de seis cidades: São Paulo, São Bernardo do Campo (SP), Florianópolis, Tubarão (SC), Fortaleza e Brasília. O estudo concluiu que o programa não influenciou no uso de outras drogas dentro do período de análise. Variações ocorreram para álcool e substâncias inalantes. Para o primeiro, houve um incremento de 30% no risco de experimentar bebidas alcoólicas. Para os inalantes, o efeito foi contrário: o #Tamojunto levou a uma redução de 22% no risco dessa experimentação, sempre em comparação com o grupo de estudantes que não tiveram as aulas do programa.

Com informações O Globo