Na última sexta-feira, 6, último dia em que o calendário eleitoral permitiu que participasse de inaugurações ou autorizasse a liberação de recursos, o governador de São Paulo, Márcio França (PSB), participou de uma cerimônia discreta num salão a poucos metros de seu gabinete no Palácio dos Bandeirantes para anunciar os planos de construir uma nova faculdade de medicina da USP em Bauru.

A obra ainda não tem prazo ou orçamento. Com poucos prefeitos e aliados, a solenidade era diferente do que se viu nos Bandeirantes nas últimas semanas: anúncios de programas que devem constar nos planos de governo de França, que disputará a reeleição, com dezenas de prefeitos organizando-se em filas para receber a promessa de verbas para seus municípios.

O governador recebeu o Jornal Folha de São Paulo depois do evento em seu gabinete, decorado com quadros do governo e porta-retratos onde posa com sua esposa e netos. A conversa não tinha sido marcada. No sofá de sua sala, França comentava notar um desânimo geral no país que contaminava também a classe política.

Confira a entrevista completa com o governador de São Paulo, Márcio França

Como o senhor prevê disputar a reeleição nesse clima de desânimo?

Tenho a impressão de quem é mais desconhecido leva a vantagem.

Como o senhor?

Modéstia à parte [ri]. Na medida que tem muita gente que não escolheu [em quem votar], esse que não escolheu vai migrar para alguém que ninguém sabe. Foi assim que aconteceu no Tocantins. Ganhou o governador em exercício, desconhecido, do PHS —que é um partido pequeno — porque as pessoas querem fugir dos famosos e acabaram escolhendo um terceiro. No fundo, só tem quatro nomes competitivos em São Paulo: o meu, Doria, Skaf, e o PT.

Luiz Marinho, do PT, deve crescer com o início da propaganda? [Hoje, está empatado tecnicamente com Márcio França, com 3% segundo pesquisa Ibope divulgada em 30 de junho].

Sem dúvida. O PT tem um público. Mas em São Paulo é difícil, o antipetismo é muito forte.

E o ‘tucanismo’ é forte

Acho que foi muito mais. Há uma rejeição hoje. O povo, de maneira geral, conhece dois partidos: o PT e o que não é PT. Não sabem distinguir muito PSDB, MDB, PSD. E onde não era o PT, era o Aécio. Como houve episódios [de denúncias de corrupção] que ficaram públicos, aquilo criou uma segunda frustração. Todas as pesquisas apontam um desgaste forte dos organismos partidários mais densos. A rejeição em São Paulo ao PT e ao PSDB é maior que a do MDB.

Isso explica por que Alckmin esteja perdendo nas pesquisas para Bolsonaro aqui no estado?

Explica. Um pouco. O PSDB, hoje, para o próprio Alckmin acaba sendo um problema, ele arrasta um pouco do que aconteceu com a história de o Brasil ficar frustrado. Quem votou Dilma foi 51%, do outro lado, mais 40 e poucos por cento —esse grupo que votou aqui ficou frustrado.

Nesse cenário das pesquisas, é ruim para o senhor ser um candidato sucessor de Alckmin ou apoiado por ele?

Veja, quando faço pesquisa e coloco “o atual governador Márcio França”, salto do meu patamar [terceiro lugar, atrás de Doria e Skaf] para já, de cara, ficar disputando o segundo. Só o fato de ser o novo governador, a pessoa fala “ah, sei quem é”, “o do caminhoneiro [em referência à greve da categoria, em maio]” ou “o da homenagem à policial [Katia Sastre, que atirou em um ladrão num evento de dia das mães]”. São episódios que ficaram marcados. Se perguntarem pelo meu nome, podem não saber quem é, mas sabem que já há outro governador. O governo de São Paulo teve muito acerto ao longo dos anos, estabilidade. Mas é normal que haja um desgaste.

Mas ser associado ao Alckmin é bom negócio?

Não faço as coisas porque é bom negócio, faço porque acredito. Para um país que está nessa situação, nessa dificuldade de aprovar reformas, se não tiver alguém com muita experiência e tato, uma certa cancha, pode não aguentar. Muita gente vai fazer vida pública, fica um pouco e sai.

Como o Doria?

É um caso típico. Veja bem, me programo para ficar quatro anos [num cargo] e fico um, passo a sensação de que tinha uma coisa mais atraente que essa. No caso do Doria, não é culpa dele. Ele foi induzido por um sistema partidário que dizia: “Olha, se não for você, a gente não ganhará”. Tenho respeito por ele, a gente fez campanha junto [em 2016, para a prefeitura]. Fui um dos defensores da candidatura contra nomes tradicionais, porque queríamos, com isso, demonstrar que podíamos ter nomes novos e que fossem respeitados. Quando ele entrou, em 2016, dei uma entrevista à Folha assim: o patamar inicial de Doria era de 25% e tinha chance de vencer no primeiro turno. Fui massacrado pelo mundo da política. Deu no que deu, não foi surpresa.

Agora o sr. faz alguma aposta?

Faço, claro. Eu estarei nos segundo turno, não sei quem estará comigo. Tenho dúvidas se Doria estará. [A eleição no] Tocantins foi marcante, o prefeito da capital é do meu partido. É um homem rico, foi prefeito, fez muito sucesso midiático. Saiu como grande favorito, mas não foi para o segundo turno. A população o puniu pela renúncia.

Acha que acontecerá o mesmo aqui, com Doria?

Na capital, não tenho dúvida. Os números do Ibope demonstram isso [Doria tinha 55% de rejeição na capital]. Eu ganho dele no segundo turno na capital. Se ninguém me conhece, como alguém vai votar em mim? É para não votar nele. Aqui tem um terceiro componente, o Skaf, meu amigo pessoal. Ele tem méritos, mas vai ter o problema de arrastar a situação do MDB. Hoje, associar [ao Temer] é sempre uma coisa para baixo. Em pesquisa, hoje, você tem x por cento. Junto com o temer, tem x menos 90%.São boas opções, mas eu me considero, perto deles, mais novidade. Embora eu seja um político antigo, as pessoas não me conhecem o suficiente. Não sou conhecido porque meu nome nunca esteve envolvido em escândalo. No Brasil, você fica conhecido quando disputa cargo majoritário ou foi envolvido em escândalo.

Mas tem escândalos de corrupção no governo estadual que se aproximam do senhor. Em junho, o presidente da Cesp, Laurence Casagrande, foi preso num desdobramento da Lava Jato em São Paulo. Não afeta o sr.?

Não. Todo mundo sabe as relações de onde vêm. O Laurence é tucano. Mas isso não é para me livrar dele, não —eu o tenho e o reputo como pessoa idônea. Apenas estou dizendo que ninguém o vincula diretamente comigo, vinculam mais com o PSDB do que comigo.

Ainda que o sr.  o tenha mantido na presidência da Cesp? Ele foi preso no cargo.

Hoje, as pessoas têm a condição de prender antes de apurar. Quando você prende uma pessoa, sinceramente, já denegriu a imagem dela. Se quando acusa denigre, imagina prender. Espero que as denúncias sejam apuradas e, depois, haja a devida reparação. Vivi com muitos políticos e, no caso do Alckmin, ponho a minha mão, minha cabeça e meu filho no fogo de ponta a ponta. Eu garanto, é zero chance de qualquer envolvimento dele em nada.

Você fala da reputação pessoal, mas muitas investigações tratam de caixa dois eleitoral.

Mas um governo é feito… São Paulo tem 800 mil funcionários. Estou falando com você e eu sei lá se uma moça [que trabalha no governo], hoje, pega um quilo de café, colocar na bolsa e levar embora?

Falando em acusações, o sr. é alvo de ações do PSDB que o acusam de usar a máquina pública para se promover. Esperava essas ações tão fortes do partido?

Não. Eu tenho sido tão leal com eles, com as coisas deles, que sinceramente não esperava.

O que são as coisas deles?

Por exemplo, tenho vários secretários do PSDB. O Saulo [de Castro, secretário de Governo], o doutor Meirelles [João Carlos Meirelles, secretário de Energia e Mineração], o Laurence, o Marcos Monteiro [Desenvolvimento Econômico]. Não fiz o papel mais fácil que era jogar no fogo todo mundo. Ao contrário, eu os defendo. Sou do PSB, nem tucano nem petista. Não tenho inimigos, não tenho porque fazer retaliações. Qualquer um que conhece política sabe que, quando você escolhe um adversário, polariza com ele. Não sei, acho que ficaram com ciúmes da relação que tenho com o governador Alckmin, que é evidente uma certa preferência que ele tem.

Preferência pelo fato de ele não ir aos eventos do Doria?

É, um pouco é, claro. O fato de ele se sentir incomodado, ele me falou, não tenho porque mentir: ele falou para mim e para todo mundo, falou na Jovem Pan que pediu ao Doria para não ser candidato. Ele nunca pediu isso para mim, ele sabe que na minha condição só poderia disputar a reeleição.

O sr., caso eleito, ficaria no cargo mais quatro anos e não poderia tentar se reeleger.

Exato. Teria toda a lógica, uma oxigenada no próprio governo, uma certa mudança. Era natural que um partido grande quisesse manter seus nomes. Eles tinham tantos nomes mais, assim, autoexplicáveis.

Por exemplo?

O José Aníbal, vários deputados federais brilhantes, muitos deputados estaduais, gente top. Aí eles vão e pegam o cara que está na prefeitura há um ano e tiram? Sinceramente, foi um tiro no pé. É muito risco para dar a impressão de que não podemos ter ninguém concorrendo e tal. Posso estar enganado, mas vai ter consequências.

O que se conta é que a ofensiva do PSDB contra o sr. teria feito o PSB paulista questionar o apoio a Alckmin ou ficar mais permeável a apoiar a aliança com Ciro Gomes (PDT)?

Não, não é. O episódio do Ciro —sou amigo dele, fui líder dele na Câmara. Defendo e defendi que meu partido se aproximasse da pessoa que acredito que seja a mais preparada para se tornar presidente. Mas o PSDB, evidentemente, tinha que ter contrapartidas em alguns estados, que não precisaria ser necessariamente São Paulo. No Espírito Santo, Brasília, são lugares em que temos candidatos ao governo muito fortes. O governador [Alckmin] pediu ao presidente do meu partido, fizemos um gesto lá no Mato Grosso com o Pedro Taques. Mas como o PSDB é forte em todos os lugares, não abre mão em lugar nenhum.Eu só quero dizer que existem vários PSDBs. O governador Alckmin vem falar aqui comigo constantemente. Nós discutimos governo, ele tem muita preocupação com as coisas do governo.

Ele tem vindo ao palácio?

Tem.

Quando foi a última vez?

Duas semanas atrás. Ele vem, conversa sobre as coisas do governo. Ele tem sido, como é do perfil dele, preocupado com as coisas.

E o que ele tem dito? O sr .promoveu mudanças.

Ele não falou especificamente, nem era possível fazer uma transformação absoluta porque é um governo de continuidade. É claro que, pelo meu perfil, abri conversas com servidores públicos, que há muito tempo não tinham esse acesso [ao governador].

No dia do seu aniversário, em junho, o sr. publicou no Instagram que um bom presente seria que o STF aprovasse um aumento a professores no estado.

Não é aumento, é o seguinte: a Apeoesp tem uma ação contra o estado, por conta de abono. Esse abono tinha data para ser obrigatório. Quando faltavam dois dias, o Supremo suspendeu. Como está suspenso, não pode ser pago. Eu fui com a Apeoesp [ao STF] e perguntei se ela [Cármen Lúcia, presidente da corte] achava possível. O governador Alckmin e eu reconhecemos que eles ficaram três anos sem reajuste, a gente sabe que está errado. Se tinha essa chance, seria uma oportunidade. Mas não é simples ela fazer a revogação. A minha relação com o governador me permite dizer que tudo o que foi feito foi certo a seu tempo.

O sr. perdeu o apoio do PP para o Doria menos de uma semana depois de ter anunciado a aliança. O partido diz que o sr. atrasou nomeações. O que aconteceu?

Acho que até que a gente lavre as atas, as pessoas vão reavaliando. A proximidade ideológica evidentemente era muito mais próxima do Doria do que de mim. Claro que preferia não ter perdido.

Pegou mal?

Para mim, não. Claro, o que pegou mal é que, com eles, eu tinha 24 minutos de tempo comercial [de propaganda de rádio e TV] e caí pra 20. Com eles, o Doria foi de 18 para 22, mas estamos em um mesmo padrão.

O sr. tem entre seus aliados outros pré-candidatos à Presidência, como o Alvaro Dias (Podemos). Subirá no palanque com ele?

Claro. Já fiz evento com ele, me dou muito bem com ele. Assim como outros, se tiverem.

Ciro Gomes?

Pode ser. Se o PDT estiver comigo, claro. Porque o PSDB não vai poder estar comigo, é compreensível isso. O governador [Alckmin] tem dito isso: no meu partido, é o Doria.

O sr. disse no começo do ano que o PSDB deveria priorizar a candidatura de Alckmin à Presidência. No seu partido, diz-se que o PDT tem feito isso. É um sinal melhor para o mundo político?

Claro. É só você olhar os caminhos hoje. A questão de o PDT priorizar e abrir mão [de candidaturas estaduais] em função do Ciro facilita a junção. No caso do meu partido, tem sido essencial. No Espírito Santo eles estão abrindo mão, em Pernambuco eles estão abrindo mão. Qual o argumento que uso para falar: olha, o PSDB não está abrindo mão para a gente em lugar nenhum, mas eu gostaria de apoiar o PSDB?

Hoje o sr. é favorável ao apoio do PSB a Ciro Gomes?

Não, sou favorável ao Alckmin. Mas constato uma realidade: o PDT está propondo priorizar o Ciro. E o PSDB — quando falo PSDB, não é um só, tem vários PSDBs— precisava priorizar o Alckmin. Ele era uma candidatura altamente viável e preparada, o homem que mais vezes governou São Paulo, experiente, idôneo.

O sr. aposta em quem estará no segundo turno da eleição presidencial?

Em um campo, disputam Bolsonaro e Alckmin. No outro, divide Ciro e PT. E aí tem coisas, assim, por fora: Marina, Álvaro, mas com menos tempo de TV.

Quem será o vice do sr.? Luiz Flávio D’Urso (PTB), Mario Covas Neto (Podemos)?

Os nomes colocados são esses. O Covas certamente pode servir nas duas frentes, para a vice ou Senado. O Aldo Rebelo, no PSD, é um amigo pessoal que sempre levo em consideração. Mas não há sentimento de segurança do que vai acontecer nacionalmente. Fica todo mundo esperando acontecer uma outra coisa.

Com informações do Jornal Folha de São Paulo