O Brasil terá uma demanda por moradia superior a 1 milhão de novos domicílios pelos próximos seis anos, até 2024. A necessidade vem caindo, mas o desafio no País ainda é gigante. Os dados são do estudo “Demanda Futura por Moradia”, desenvolvido pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com a Secretaria Nacional de Habitação.

O estudo faz uma estimativa levando em consideração a curva de crescimento populacional e de novas habitações nos últimos anos, o envelhecimento da população e a dinâmica de formação das famílias – que vêm encolhendo ao longo do tempo. A grande tendência que deve se acentuar é a de domicílios com cada vez menos moradores.

O próximo presidente deverá encarar em seu mandato (2019-22) uma demanda de 4,7 milhões de novas moradias – 1,24 milhão só em 2019. Até 2030, serão necessários 11,6 milhões de lares, uma média de 969 mil ao ano. No pico, em 2014, a demanda chegou a 1,43 milhão de moradias.

Desde então, esse número vem diminuindo e deve alcançar, em 2040, cerca de 390 mil domicílios por ano. Além das novas demandas, já existe um déficit habitacional estimado em 6 milhões de lares, segundo a Fundação João Pinheiro. O dado é referente a 2015 e leva em conta os domicílios precários, o ônus excessivo do aluguel, a coabitação familiar e o adensamento excessivo.

Queda na demanda por moradias

Em 2040, segundo a projeção, o Brasil terá 86,7 milhões de moradias. Hoje, esse total é estimado em 68 milhões. “Suprir essa demanda é um enorme desafio para o país”, diz o professor de geografia da UFF e um dos coordenadores do estudo, Gustavo Henrique Naves Givisiez.

Segundo ele, depois do ápice em 2014, a demanda passou a diminuir, entre outros fatores, por conta do envelhecimento da população e da redução da taxa de natalidade. “Temos menos jovens, e o número de novos domicílios diminuirá. O Brasil caminha a longo prazo para uma demanda negativa. Para o Rio Grande do Sul, a gente prevê isso em 2040”, conclui.

O pesquisador afirma que a década começou com grande número de moradias construídas graças ao aquecimento econômico e ao programa “Minha Casa, Minha Vida”. Entretanto, a crise a partir de 2014 deu uma freada no número de obras. Como consequência, agravou-se a situação do déficit nacional.

“Passamos muito tempo sem programas nacionais, havia apenas programas estaduais, municipais ou do BID [Banco Mundial]. Mesmo com todos os problemas, o ‘Minha Casa, Minha Vida’ foi um projeto que tentou contornar parte disso. Pelo nosso estudo, levando em conta os dados dos últimos dez anos, se seguisse a tendência de construção de moradias, até 2030 o problema das residências de pessoas de baixa renda estaria equacionado”, afirma.

Segundo o pesquisador, o grande desafio hoje é superar a crise e – paralelamente à construção de novas casas e apartamentos – resolver o problema das moradias de baixa qualidade. Hoje, por exemplo, há um grande número de adensamento de moradores em um lar. “Se não tem programa de governo, se não tem crédito relativamente barato ou se aluguel é muito caro, a pessoa opta por morar com os pais ou algum familiar. A crise aumenta o déficit habitacional, sem dúvida”, afirma.

Mais apartamentos, menos moradores

Para os próximos anos, a tendência é que o crescimento no número de domicílios seja maior que o da população. Isso se explica pela queda na taxa de natalidade, mas também, por exemplo, pela demanda crescente de divórcios, casamentos mais tardios e aumento de renda das camadas mais baixas.

O perfil das moradias também deve mudar, com a tendência cada vez maior da verticalização. “Nota-se que a tendência é de incremento gradativo na proporção de domicílios em apartamentos, a qual deve passar de 12,6% em 2015 para 23% em 2040”, afirma a pesquisa.

Ainda segundo o estudo, se as hipóteses de projeção se confirmarem, haverá diminuição da proporção de domicílios com cinco ou mais pessoas. Hoje, a média de moradores por domicílio é de 3,1. Em 2040, deve ser de 2,6.

“Por outro lado, a proporção de domicílios unipessoais e com duas pessoas será incrementada no período projetado. Para os domicílios com três ou quatro pessoas, os mais frequentes no Brasil, está previsto que a proporção permanecerá praticamente constante entre o período de 2010 a 2020, a partir do qual haverá uma queda nos valores relativos de aproximadamente 10 pontos percentuais.”

Aperto e vida solo

Na casa do desempregado Adriano da Silva Cavalcante, 31, moram sete pessoas, que se espremem para dormir em dois pequenos quartos. “Dois dormem em cada quarto, e os demais se ajeitam no sofá e no chão forrado”, conta ele, que mora com a mulher, a cunhada, o enteado, as duas filhas e a sogra.

Hoje, a casa reúne muita gente para baratear os custos em época de crise. “A situação financeira não dava para que a mãe dela, que tem problemas de saúde, seguisse morando só”, afirma o desempregado, que paga R$ 275 de aluguel para morar no bairro de Riacho Doce, na periferia de Maceió.

Na contramão, há quem contribua para o aumento do número de domicílios porque decidiu viver só. É o caso do empresário Cláudio Romeiro, 47, que, em julho de 2015, se separou da então mulher. Primeiro, passou dois meses morando na sede do escritório de sua empresa e, em setembro, foi morar na casa dos pais, onde ficou por oito meses.

“Decidi morar só, primeiro, pela privacidade. Outro ponto muito relevante é o livre arbítrio, ter o poder de decidir de ir ao cinema, ir à praia, ficar em casa, fazer o que quer sem dar satisfação. Além disso, tem a construção social com minhas três filhas, ter o meu momento com elas”, diz ele, que também mora em Maceió.

“Nem toda demanda precisa do governo”

Segundo o secretário-executivo do Ministério das Cidades, Silvani Pereira, o “Minha Casa, Minha Vida” deve ser o programa governamental que vai ajudar a atender essa demanda. Ele afirma que, pelo programa, já foram entregues 4 milhões de casas e há mais de 1 milhão contratadas.

“Mas nem toda demanda precisa ser apoiada pelo governo”, acrescenta. “Algumas, o próprio mercado atende, seja por recursos próprios do comprador ou por financiamento de bancos privados.”

Para Pereira, o estudo da UFF demonstra com clareza que o perfil das moradias brasileiras mudou ao longo dos anos. “Suprir essa demanda é um grande desafio, mas precisamos avaliar e levar em conta essas mudanças para que tenhamos imóveis para menos pessoas, não por unidade maior”, reforça.

O secretário destaca ainda as diferenças regionais. “Para você ter ideia, em alguns locais ainda há demanda rural resistente”, diz. “E um desafio é melhorar as cidades, porque os conjuntos não precisam só da casa: têm que ter saneamento, escola, posto de saúde. Há regiões urbanas que hoje poderiam ser mais adensadas do ponto de vista habitacional para que surjam mais imóveis de menor tamanho. Além das possíveis requalificações das áreas urbanas”, completa.

“Não é só construir moradias”

Para a diretora da Organização Não Governamental (ONG) Habitat, Socorro Leite, a construção de moradias não deveria ser a única política de habitação do país. Ela destaca que ações de infraestrutura e até fixação do agricultor no campo podem ajudar na redução do déficit.

“É preciso também ir melhorando as casas já existentes, acessos, estrutura. Muitas pessoas não sairiam do lugar onde vivem. Se a gente tivesse um programa para ajudar a pagar aluguel acima da renda também, por exemplo, não precisava construir novas moradias”, afirma. Para ela, o programa “Minha Casa, Minha Vida” produziu um bom número de moradias sem enfrentar essas questões importantes.

“Isso precisa ser tratado de uma forma mais ampla, com a questão qualitativa, com melhoria da infraestrutura, com construção de conjuntos em áreas mais bem localizadas. Não adianta simplesmente jogar essas pessoas à periferia.”

Para Socorro, a grande questão da falta de moradia está na precária política de igualdade social. “Primeiro, tem que se trabalhar a questão da desigualdade, que inclui a política habitacional. Tem que ter o subsídio público para possibilitar aos mais pobres acessarem a moradia”, afirma.

Com informações do Portal Uol Notícias