A proposta de Reforma da Previdência que o governo Bolsonaro enviou ao Congresso altera pontos da Constituição que não têm a ver, necessariamente, com a Previdência Social. E com isso, segurados do INSS correm risco de serem impedidos de entrar na Justiça, por exemplo, para reivindicar a revisão de benefícios. Segundo o Jornal O Dia separou dois itens da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6 que vão impactar diretamente a vida do trabalhador em vias de se aposentar e o próprio aposentado: a retirada da Previdência da Carta Magna e a alteração do Artigo 195.

Entre outras medidas, com essas duas mudanças previstas na reforma, as revisões de aposentadorias e pensões por meio da Justiça, já que o instituto não reconhece alguns direitos pela via administrativa, devem ficar mais difíceis. Mas por que? Ao retirar da Constituição as principais garantias legais oferecidas a segurados e beneficiários, a PEC reduz o número de votos necessários para o governo aprovar no Congresso novas modificações na Previdência. E determina que as alterações aprovadas na reforma sejam feitas por leis complementares. Ou seja, podem ser substituídas com menos votos que uma emenda constitucional precisa para ser aprovada. A PEC 6, por exemplo, precisa de 308 votos para passar na Câmara.

“As garantias previdenciárias que estão na Constituição representam uma proteção para o cidadão porque a Reforma da Previdência exige um quórum qualificado e é difícil conseguir maioria para fazer a alteração em benefícios previdenciários ou na seguridade social. Nestes casos é exigida uma negociação maior para alterar direitos previdenciários. Mas quando eles passam a ser regulados por lei ordinária ou complementar o governo terá uma maioria simples e aprovará as alterações. E isso é um perigo”, explica Manoel Peixinho, especialista em Direito Constitucional e Administrativo e professor da PUC-Rio.

Restrições

“As leis complementares podem gerar restrições mais rigorosas do que as da reforma. É um verdadeiro cheque em branco nas mãos do governo”, acrescenta o presidente do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev), Roberto de Carvalho Santos. De acordo com ele, as alterações abrem caminho para a criação de leis que dificultarão revisões.

Considerando o que está no texto, a Reforma da Previdência já traz empecilhos à reanálise de benefícios do INSS. O projeto no Artigo 195, por exemplo, diz que a Justiça só pode estender ou aumentar benefícios previdenciários se indicar a fonte de custeio.

A regra tem potencial para travar revisões que hoje estão em discussão na Justiça, segundo a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Bramante. “São exemplos os caso de revisão da vida toda e do acréscimo de 25% na renda do aposentado que fica inválido e precisa de cuidador”, explica Adriane.

Para trabalhadores expostos a agentes que trazem risco para a saúde ou à vida, a proposta também acaba com a conversão do tempo especial em comum.

Manoel Peixinho acrescenta que com a alteração do Artigo 195, o governo Bolsonaro quer vetar mudanças nos benefícios, ao impedir que ela seja feita por ato administrativo, por lei ou decisão judicial. “Isso retira do parlamento a possibilidade de melhorar direitos sociais. Mas no que diz respeito à parte de decisão judicial, nenhum direito ou lesão pode ser tirado da apreciação do Poder Judiciário, isso está na Constituição no Artigo 5º inciso 35”, adverte Peixinho.

“É inconstitucional. Uma emenda à Constituição não pode retirar do Judiciário a apreciação a qualquer espécie de lesão. Me parece uma tentativa autoritária do governo e é efetivamente um retrocesso para o cidadão”, afirma o advogado. “Não vejo como prosperar essa medida. E caso passe no Congresso, a sua constitucionalidade pode ser questionada”, conclui Peixinho.

Confira algumas alterações

CONSTITUIÇÃO

Se aprovada, a PEC 6 retira as regras previdenciárias da Constituição, criando maior facilidade para o governo aprovar novas alterações na Previdência Social por lei complementar ou por lei ordinária.

AÇÃO NA JUSTIÇA

A alteração do Artigo 195 diz que a Justiça só pode estender ou ampliar benefícios se apontar fonte de custeio. Como o Orçamento está fora da competência do Judiciário, a regra pode inviabilizar qualquer medida judicial que resulte em custos ao INSS.

INSALUBRIDADE

A Reforma da Previdência não considera contagem especial para o trabalho perigoso e que não é insalubre, como o de vigilantes e de eletricitários, por exemplo. Hoje, trabalhadores dessas categorias conseguem o tempo especial na Justiça, embora o INSS não conceda o direito na via administrativa.

TEMPO ESPECIAL

O período trabalhado em local com risco à saúde é considerado especial e é contado com acréscimo no cálculo da aposentadoria. Mas a proposta enviada ao Congresso acaba com a conversão do tempo especial em comum para períodos trabalhados a partir da nova legislação previdenciária.

DESCARTE

Atualmente, para calcular a média salarial o INSS usa as 80% maiores contribuições e descarta 20% das menores para calcular a média salarial, que é a base da aposentadoria. O descarte de contribuições pequenas abre espaço para o trabalhador autônomo recolher valores altos em atraso e elevar o benefício. Mas de acordo com a mudança proposta pelo governo Bolsonaro, agora serão consideradas 100% das contribuições e, por isso, acaba com a eficácia dessa manobra.