Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgados pelo Jornal O Globo nesta segunda-feira, 4, mostram que os quatro principais partidos do País – MDB, PT, PSDB e PP – detinham 49,5% do total de filiados a siglas em 2002 enquanto que em 2018, o percentual caiu para 41%. A criação de novos partidos e o desgaste de siglas tradicionais, envolvidas em casos de corrupção nos últimos anos, são fatores apontados para a redução do peso das quatro principais legendas do País no número total de eleitores filiados.

Em números gerais, 5,5 milhões de um total de 11,1 milhões em 2018 eram filiados em um desses partidos. Hoje, quando o número de simpatizantes registrados chegou a 16,8 milhões, a participação dos quatro partidos no montante é de 41%, o que representa uma queda de 17% nesse período de 16 anos. A fragmentação ocorreu também na Câmara dos Deputados, indicando um cenário que pode se tornar ainda mais complexo para a governabilidade do presidente da República que será eleito em outubro. Para o chefe do Executivo, é mais difícil costurar acordos para votações importantes quando há mais partidos — e mais apetite por cargos, que costumam ser distribuídos a filiados — na mesa.

Entre os filiados, o espaço perdido foi ocupado, em parte, por outras quatro legendas que surgiram no período: PRB (criado em 2006), PSD (em 2011), PROS e Solidariedade (ambos em 2013) têm hoje pouco mais de um milhão de eleitores registrados, o equivalente a 6% do total e mais de R$ 200 milhões de fundos públicos. As quatro legendas integram o Centrão, bloco que já demonstrou força na Câmara ao apoiar a eleição de Eduardo Cunha (MDB-RJ) à presidência da casa, em 2015, e ao barrar o andamento as duas denúncias que a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou contra o presidente Michel Temer no ano passado.

Infidelidade partidária

O surgimento de novas legendas foi impulsionado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a fidelidade partidária, tomada na década passada. O entendimento que passou a vigorar instituiu a perda de mandato para os parlamentares que decidissem mudar de partido. Não havia restrição, no entanto, para a migração a legendas recém-criadas.

“Em 2007, o TSE diz, e o Supremo confirma que, quando o sujeito muda de partido, ele perde mandato. Foi criada uma exceção, que se tornou uma válvula de escape, que é a criação de novos partidos. Isso caiu em 2017 e mudou. Mas, até então, era a regra: são dez anos em que os candidatos insatisfeitos com o seu partido poderiam mudar para novas legendas, além do incentivo do fundo partidário”, avalia o cientista político Michael Mohallem, professor da FGV Direito Rio.

A possibilidade de controlar verbas públicas — primeiro, do fundo partidário, e agora também do fundo eleitoral — foi outro fator de atração. Para a eleição de 2018, cerca de R$ 1,7 bilhão do Fundo Eleitoral será distribuído para as 35 legendas que existem no país, de acordo com critérios definidos em lei. MDB, PT, PSDB e PP ficarão com cerca de R$ 755 milhões, enquanto PRB, PSD, PROS e Solidariedade vão ficar com cerca de R$ 237 milhões. A fragmentação se reflete de outras maneiras no orçamento público: distribuição de emendas parlamentares e cargos para administrar a governabilidade.

“Agora, há uma série de partidos com um alinhamento que tem de ser construído a cada votação. Eles só se alinham com o governo esporadicamente. Percebeu-se que essa é uma estratégia vitoriosa, do ponto de vista fisiológico. A consequência desse sucesso, não para a democracia, mas para essas legendas, é a pulverização partidária Brasil afora”, argumenta Mohallem. “É um grande momento de fragmentação. Até então, já existiam partidos que oscilavam nessa órbita de governo e oposição, com o MDB sendo sempre o fiel dessa balança. E essa balança geralmente pendia para o lado do governo, o que tornava a governabilidade possível, claro que com o custo político disso”, explica.

Para a cientista política Márcia Ribeiro Dias, o caráter fisiológico do Centrão explica o crescimento das bancadas e dos filiados dos partidos que compõem o bloco. Ao promoverem uma “descentralização” da lógica partidária, antes dominada em nível nacional, principalmente por PT e PSDB, outras legendas captaram lideranças e, assim, parte da militância.

“Isso está muito relacionado ao declínio dos partidos grandes no imaginário popular, com a decepção em relação ao desempenho dessas legendas, em especial o PT. Outros partidos se beneficiaram, como se trouxessem uma ideia de novidade, de uma política diferenciada. É o caso do (Marcelo) Crivella no Rio, por exemplo”, explica a professora de Ciência Política Marcia Ribeiro Dias, da Unirio, fazendo uma referência ao prefeito do Rio.

MDB: capilaridade e estrutura forte

Analisando os números do TSE desde 2002, nota-se que o MDB perdeu filiados até 2009, quando começou a se recuperar até chegar aos cerca de 2,4 milhões de simpatizantes que tem hoje. O partido lidera com folga a lista, seguido pelo PT, com 1,5 milhão de filiados, e PSDB, com 1,4 milhão. Para Márcia Ribeiro Dias, a formalização da aliança entre MDB e PT e a popularidade que o governo petista alcançou com Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência ajudaram a impulsionar os números emedebistas.

“O MDB não era o principal aliado do PT no começo dos anos 2000, ainda que fosse da base. Só ao assumir a vice-presidência em 2010 (com Michel Temer), o partido assume poder de barganha, e isso faz toda a diferença. O PT havia tirado força do MDB nos municípios, o que é um dos pontos fortes do partido, e ele consegue retomar isso progressivamente desde o momento em que passa a ter mais poder de negociação. Em 2016, um momento chave, o PT declina completamente ficando só com uma prefeitura de capital, enquanto o MDB se recupera”, avalia a professora de Ciência Política.

Márcia Ribeiro diz também que o caráter multifacetado do MDB, partido que muitas vezes abriga nomes com pensamentos antagônicos, permitiu ao partido receber muitos filiados. “O MDB não tem vocação majoritária para a Presidência, não tem lideranças tão fortes em cargo majoritários. Mas, no Legislativo federal, é muito forte. Com suas divisões internas, o MDB é um partido muito conveniente para adesão”, explica a professora da Unirio.

O cientista político João Branco, professor da ESPM-Rio, destaca a capacidade que o partido tem de estar presente em muitas cidades. “O MDB herdou a estrutura partidária do antigo MDB/PMDB, que era oposição na ditadura. Já na redemocratização, ele tem esse ativo, a capilaridade no Brasil, em quase todos os municípios. Carrega essa estrutura desde então”, finaliza.

Com informações do Jornal O Globo